Mais que um guia orientador para pais ou do que uma lista de sugestões e de atividades, este texto é um conjunto de ideias soltas sobre a tarefa mais desafiante das nossas vidas: cuidar de alguém! E precisam de ser ideias soltas porque a parentalidade é mesmo assim, uma viagem sem mapa, na qual estamos constantemente a experimentar, a errar, a aprender, a duvidar…
1. O que é ser um bom pai, uma boa mãe, ou um bom cuidador?
Quando falamos de parentalidade, esta é a primeira pergunta a que devemos tentar responder. Para mim, o que é ser um bom pai? Que significado é que eu atribuo à parentalidade? A evidência mais atual mostra-nos que quando interagimos com os nossos filhos as nossas práticas não são neutras e irrefletidas. Pelo contrário, têm por base as nossas teorias acerca do desenvolvimento e educação das crianças e do papel dos pais neste processo. Se para mim o pai deve ser uma figura de poder e que deve impor obediência, então as minhas práticas educativas serão, naturalmente, mais autoritárias. Se tenho expectativas desajustadas acerca do desenvolvimento da criança, então vou frustrar quando o meu filho não cumpre com as tarefas que lhe proponho. Estas teorias baseiam-se nos conhecimentos que temos acerca do tema, mas são fortemente influenciadas pelas nossas vivências e interações sociais. Não são imutáveis, estão em permanente construção, e determinam a forma como nos relacionamos com as crianças. Por isso mesmo, deve ser sempre este o nosso primeiro olhar quando nos relacionamos com os nossos filhos: o sermos capazes de olhar para dentro de nós e de nos questionarmos. Porque é que eu estou a agir assim? Porque é que este comportamento do meu filho me faz sentir desta maneira? Qual é o impacto que tem em mim?
2. Na luta pela perfeição
Nas últimas décadas o conhecimento sobre a infância e sobre a importância dos primeiros anos de vida tem vindo a aumentar. Temos hoje muito mais informação disponível sobre as etapas de desenvolvimento, sobre a importância da vinculação e da estimulação precoce. Sabemos também mais sobre nutrição infantil, desenvolvimento físico, desenvolvimento social, etc. Se este aumento de conhecimento nos tem trazido novas ferramentas e novas abordagens, também tem trazido com ele uma grande pressão para que sejamos melhores pais. E é aqui que precisamos de estar alerta porque nesta luta/competição para sermos pais perfeitos estamos a correr muitas vezes o risco de deixarmos de ser apenas… PAIS!
Pais que erram, que se chateiam, que se irritam. Famílias que têm conflitos, que se zangam, que têm momentos de rutura. Mas todos eles fazem parte (ver artigo no nosso blog sobre lidar com as emoções)… e é das ruturas que nascem as reconciliações; é das zangas que nascem aproximações, é dos conflitos que nascem aprendizagens. É ao sermos pais, apenas PAIS, que nos relacionamos com os nossos filhos!
3. Ele/a é que tem de mudar!?
Ouço muitas vezes em consulta “agora eu não tento mais nada. É ele que tem de mudar”. Percebo e acolho estes desabafos… normalmente são ditos por pais cansados, que se desdobram em 1000 tarefas diárias e que tentam desempenhar da melhor forma possível os seus vários papéis. Carregam consigo este cansaço acumulado, mas também uma grande esperança em mim, e na “magia” que esperam que faça com os filhos. É com carinho que lhes devolvo que são eles os adultos… e é sempre no adulto que a mudança tem de começar!
Estamos à espera que os nossos filhos tenham um comportamento exemplar para lhes dizermos que gostamos deles. Mas eles precisam de saber que gostamos deles incondicionalmente para conseguirem regular-se e desenvolver-se saudavelmente…
Relembro-me sempre do título do livro de Jaume Funes: “Ama-me Quando Menos Mereço, Porque é Quando Mais Preciso” e devolvo-lhes esta reflexão. Junto a esta a maravilhosa frase de Brofenbrenner: “Every child needs at least one adult who is irrationally crazy about him or her.” Porque é justamente aqui, na transmissão deste amor incondicional que começa a mudança. Porque é na segurança de que sou amado incondicionalmente que eu me desafio a crescer!
4. Deixei de ser a Maria para ser a mãe da Leonor…
“Todos nós, pais, independentemente das idades dos filhos, seja em que altura for, encontramo-nos numa viagem árdua, numa espécie de odisseia, quer o saibamos, quer não, e quer isso nos agrade, quer não. A viagem, claro está, é nada menos do que a própria vida, com todas as voltas que dá, com os seus altos e baixos” (Kabat-Zinn, J., 2017, p. 23).
Assim que iniciamos essa viagem, há algo dentro de nós que se transforma. Não é só uma criança que nasce… nasce com ela um pai / uma mãe e também é preciso cuidar desse cuidador. Na escola, no hospital, no parque infantil, deixamos de ser tratados pelo nome próprio e passamos a ser referenciados como “o pai da Ana”, “a mãe do Manuel”. Muitas vezes nem nos damos conta destes pequenos sinais que vamos recebendo e que, sem intenção, nos vão empurrando apenas para o nosso papel de pais e afastando-nos de nós próprios. E este é um movimento que pode ser perigoso, como são perigosos todos os momentos que nos afastam de nós.
É preciso encontrar tempo e espaço para cada parte nossa, dar-lhe atenção, ouvi-la e acolhê-la. Relembrarmo-nos diariamente (e relembrar, se necessário, o que nos rodeiam) que eu continuo a ser A Maria, O Pedro, A Inês, antes de ser o pai ou a mãe de alguém.
5. Tempo… o nosso e o deles!
Tempo… se tivesse de escolher a palavra que mais vezes ouço nas sessões de acompanhamento parental provavelmente escolheria a palavra “tempo”. E sempre enquanto um inimigo que nos limita nos nossos objetivos e desafios diários: “eu sei que preciso de brincar mais com o meu filho, mas não tenho tempo” (…) “eu sei que ele precisava de passar mais tempo comigo mas ando sempre a correr”. Enquanto adultos sentimos muitas vezes que é o relógio que nos controla e que nos marca o ritmo.
É ainda frequente a queixa de que os miúdos não percebem esta nossa pressa e não colaboram quando mais precisamos. Como é que eles podem demorar 15 minutos a vestir-se quando já estamos atrasados para a escola? Porque é que querem parar 20 vezes num percurso de 100 metros (mesmo que esteja a chover!!)? Muitas vezes esta sua calma ativa partes nossas que se sentem incompreendidas, desrespeitadas e desvalorizadas. Mas o conceito de tempo é algo que só se adquire com a idade, e em idades mais pequenas a expressão “estamos atrasados” ainda não é compreendida. O tempo deles é diferente do nosso… parece que corre a velocidades diferentes. E não temos todos saudades desse tempo em que podíamos parar à espera que os bichos de conta se abrissem e começassem a andar?
6. Cresce e aparece!
Esta é, provavelmente, a expressão popular que mais me incomoda. A ideia de que é preciso crescer para ser visto e ouvido é desconfortável, assustadora e nociva. Quando nos dizem “cresce e aparece” estão a retirar-nos valor e a desrespeitar-nos enquanto pessoas. Contudo, quantas vezes ouvimos esta expressão quando eramos crianças? E quantos ainda a usamos com os nossos filhos?
A participação é um direito consagrado na convenção sobre os direitos da criança. Todas as crianças têm o direito a serem ouvidas e a dar a sua opinião. Contudo, porque é que continua a ser tão difícil para os adultos ouvir as crianças? Na maioria das vezes, é por medo… têm medo que, ao ouvir a vontade da criança, esta tenha de ser cumprida. Têm medo de transformar a criança num “pequeno tirano”. Mas ouvir não significa fazer sempre a vontade. Ouvir significa escutar ativamente, acolher a criança e a sua necessidade e dar-lhe resposta. Uma resposta que seja adequada e respeitadora. Como nos dizem Siegel e Bryson (2015) ao sublinhar a importância do estabelecimento de relação segura e respeitadora com os filhos “estabelecer uma ligação com os nossos filhos durante um ato disciplinador não significa deixá-los fazer tudo o que entenderem” (p. 21)
Assim, da próxima vez que se sentir perdido no seu papel de pai, pergunte ao seu filho: “de que é que precisas?” “O que é que eu posso fazer para te ajudar?”. Tenho a certeza de que a resposta dele o vai surpreender.
7. Eu também levei umas palmadas e estou aqui…
Normalmente esta frase vem acompanhada de expressões como “dói-me mais a mim do que a ti”, “uma palmada nunca fez mal a ninguém”, ou “tem de levar para ver se aprende”. É verdade que muitos de nós levámos palmadas. E também é verdade que muitas destas palmadas podem ter sido dadas com a melhor das intenções! Mas isso não faz com que elas tenham sido desejadas, adequadas ou mesmo merecidas. E, muito provavelmente, deixaram marcas em nós!
Cada vez mais são conhecidos (e reconhecidos) os impactos que os castigos físicos podem ter nas crianças. Atualmente, são várias as organizações nacionais e internacionais que, por isso mesmo, se opõem à utilização de castigos físicos e advogam por práticas educativas mais positivas. E em Portugal? Sabia que os castigos físicos são proibidos por lei desde 2007?
Pode obter mais informações acedendo à página do movimento cívico Nem mais uma palmada!, uma colaboração com o Instituto de Apoio à Criança.
Se a lei os proíbe e a ciência tem provado que não funcionam e que podem ter impactos sérios e negativos no desenvolvimento da criança, porque é que os continuamos a usar? Porque mudar é difícil, principalmente quando são comportamentos que estão presentes há tantos anos na nossa sociedade. E porque, muitas vezes, são desencadeados por impulsos e por dificuldades ao nível da nossa própria gestão emocional. Mas qualquer mudança começa com um questionamento e com uma vontade… com um primeiro passo! Que tal começá-la hoje?
8. Sarilhos a dobrar?
Quando nasce um segundo filho, são várias as mudanças que ocorrem no seio familiar. Deixamos de ser “pais de primeira viagem”, mudamos a estrutura da casa, fazemos contas ao orçamento financeiro, preparamos mais um ninho. Mas esta mudança não tem impacto apenas na nossa vida. Quando nasce um segundo filho nasce com ele um irmão! Um irmão que passa a ser “irmão mais velho” mas que não escolheu ter este papel na família (mesmo que tenha ficado radiante com a notícia).
“Ele reagiu muito bem ao nascimento do irmão. Ficou super feliz, ajudou imenso e não teve ciúmes nenhuns”. Sempre que ouço estas descrições fico alerta! Quando é este o relato, é frequente perceber que a criança à qual ele se refere não encontrou espaço para manifestar tudo o que sente com esta nova mudança na sua vida.
É normal que as crianças tenham uma parte sua que sente que o novo irmão veio ocupar demasiado espaço. E é importante dar espaço a esta parte… o seu filho não vai gostar menos do irmão porque o deixa dizer abertamente “sabes mãe, às vezes tenho ciúmes do mano”. Pelo contrário… é ao dar espaço a todas as partes e a todos os sentimentos que a sua relação com o seu filho se vai fortalecendo, e que ele vai arranjando mais espaço interno para a construção da sua relação com o irmão.
9. As tão temidas birras
Não é possível escrever um texto sobre parentalidade sem falar em birras, pois não? Aquelas assustadoras explosões repentinas que gastam tanta da nossa energia e das quais temos vontade de fugir a 7 pés! O que muitas vezes nos esquecemos é que elas fazem parte do desenvolvimento. São normais e esperadas em crianças mais novas (e não… não fazem de nós maus pais). Estão associadas à sua dificuldade em lidar com a frustração, a uma capacidade de regulação emocional ainda em desenvolvimento e ao facto de ainda terem dificuldade em exprimir o que sentem e o que precisam.
Mas dada a energia que carregam, quando as birras acontecem, os pais sentem-se muitas vezes assoberbados e com falta de controlo (sim, porque os pais também fazem birras!). Mas é importante não esquecer que a criança está a sentir a mesma coisa: está a sentir-se fora do controlo, e ninguém gosta de se sentir assim! Cabe-nos a nós, pais, o papel de as ajudar na sua regulação emocional e retorno à calma.
Se esta está a ser uma luta muito difícil para si, não se esqueça que tem uma grande vantagem em relação ao seu filho: um maior autoconhecimento (nomeadamente dos seus limites) e uma maior capacidade para se exprimir e procurar ajuda!
10. Afinal quem é que manda?
Bolas… ultrapassei o limite de palavras e já não há espaço para o ponto 10… a parentalidade é mesmo assim! A tal viagem sem mapa onde tantas vezes temos de improvisar 😉
Boa viagem!
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Joana Antão
Psicóloga