É-nos incutida a ideia de liberdade, de um mundo onde as oportunidades se alargam e onde nos podemos projetar em cenários anteriormente inimagináveis.
Esta liberdade, até há pouco tempo bem mais condicionada, traz o entusiasmo de chegar a mais lugares e de tornar o que era tão longe, cada vez mais perto. É importante reconhecer essa evolução, que passa por vários níveis – político, tecnológico, económico e social. Ao mesmo tempo é interessante refletir sobre os fenómenos menos expectáveis decorrentes de um mundo com (aparentemente) mais oportunidades. Ao mesmo tempo que parece haver uma maior noção de liberdade, é por vezes esta multiplicidade de caminhos que nos prende e que pode ser sentida como assoberbante. Isto porque a escolha implica um processo de ganhos e perdas, de cedências e prioridades. Talvez implique também, nos dias de hoje, uma maior sensação de exigência – ex.: como é que no meio de tantos cursos possíveis vou encontrar o certo para mim? Havendo tantas pessoas competentes na minha área, como me vou destacar?
Volta e meia ouço em sessão – “cresci a ouvir que podia ser aquilo que quisesse e tudo aquilo que os meus pais não puderam ser”. Aqui surgem duas dimensões importantes. Primeiro, a consciência necessária de que, apesar de um maior leque de escolhas, existem e vão continuar a existir desafios externos (ex.: pandemias, guerras, incerteza económica e social). Ou seja, o “poder ser tudo o que quiser” implica ainda assim um ajuste ao contexto e às próprias vivências e dificuldades pessoais. Em segundo lugar, existe uma diferença entre querer e poder. Na ideia de poder ser tudo o que os nossos pais e avós não puderam ser surge a armadilha de estarmos mais ligados às não vivências deles do que às nossas próprias necessidades e objetivos.
Talvez sem saber a sociedade nos coloque numa posição de constante certeza (ex.: devemos escolher o que queremos fazer na nossa vida aos 17/18 anos), quando na verdade essa escolha pode existir, mas sem a carga de algo definitivo e imutável. É necessário agir sobre a nossa própria vida, desconstruir o motor que nos move num determinado caminho – porque estou a ir por aqui? O que espero encontrar? Ficar na dúvida pode ser produtivo, pode ser o que precisamos para experimentar novos lugares, onde eventualmente nos sintamos mais ligados a nós próprios.
Carolina Madaíl
Psicóloga