Com a inovação nos procedimentos cirúrgicos e a melhoria da qualidade dos exames complementares de diagnóstico, o recurso à cirurgia parece hoje menos impactante do que era anteriormente. Verifica-se muitas vezes uma tendência para recorrer a uma cirurgia sem antes esgotar as possibilidades de tratamento não invasivo, justificando essa opção com uma suposta “ligeireza” da recuperação pós-cirúrgica.
Terá talvez até já conversado com alguém que fez uma intervenção cirúrgica, após um profissional de saúde dizer algo como: “será apenas um pequeno corte e no dia seguinte até já poderá ir para casa”. Esta lógica de raciocínio, pode acarretar problemas.
Por muito pouco invasiva que seja a cirurgia, ela apresenta sempre efeitos mais ou menos negativos sobre os tecidos que são por esta afetados, sendo sempre possível a ocorrência de reações adversas ou complicações (p. ex.: relacionados com anestesia, infeção no local cirúrgico, alterações da cicatrização).
Também a nível psicossocial, um processo cirúrgico, tem sempre inúmeros impactos, nomeadamente, o receio do processo ou do próprio ambiente hospitalar, o possível impacto nas atividades da vida diária ou a possibilidade de absentismo laboral. Todos estes fatores, que são muitas vezes concomitantes com uma interpretação “demasiado” estruturalista do corpo humano (na maioria das vezes com o contributo dos profissionais de saúde com quem a pessoa vai contactando), contribuem para uma baixa sensação de autoeficácia, uma externalização da responsabilidade no processo de recuperação e uma perda do controlo na gestão da própria condição.
Nada disto significa que em alguns casos a opção cirúrgica não seja a mais indicada. Também não significa que se deva procurar adiar a cirurgia por todos os meios possíveis quando existem critérios para tal. O/a fisioterapeuta deve sim, estar altamente familiarizado com sistemas de avaliação e rastreio que lhe permitam perceber quando é que existem critérios para cirurgia ou referenciação para outro profissional, bem como assegurar que os cuidados que eventualmente venha a prestar são devidamente informados pela melhor evidência disponível.
Este texto aborda as linhas orientadoras de um artigo científico que descreve 11 recomendações pelas quais se deve reger a prática clínica de um fisioterapeuta. Esta é a décima recomendação: a não ser que estes se encontrem contraindicados, devem ser aconselhados cuidados não-cirúrgicos suportados pela evidência, antes da opção pela cirurgia.
Emanuel Heleno e José Lopes
Fisioterapeutas
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